27 de outubro de 2025

Venezuela Rejeita Ordem da ONU sobre Eleições em Território Disputado

A Venezuela rejeitou uma ordem da Corte Internacional de Justiça (CIJ), principal tribunal da ONU, que determinava a suspensão das eleições planejadas para 25 de maio de 2025 no território de Essequibo, região rica em recursos naturais e objeto de disputa com a Guiana. O governo de Nicolás Maduro afirmou que não reconhece a jurisdição da CIJ e considera o Essequibo parte inalienável de seu território, baseando-se em argumentos históricos e constitucionais.

A decisão da CIJ atendeu a um pedido da Guiana, que alegou que as eleições violariam ordens judiciais anteriores e representariam uma tentativa de anexação do território. Apesar de compromissos anteriores de evitar o uso da força, as tensões entre os dois países aumentaram, especialmente após incidentes envolvendo movimentações militares e disputas sobre exploração de petróleo na região.

O território de Essequibo representa cerca de dois terços da Guiana e é administrado por este país desde o século XIX. A Venezuela contesta a validade do laudo arbitral de 1899, que estabeleceu as fronteiras atuais, e propôs a criação do estado de “Guayana Esequiba”, nomeando autoridades para governar a região. A disputa continua sendo analisada pela CIJ, enquanto a comunidade internacional observa com preocupação o desenrolar dos acontecimentos.

CONTEXTUALIZANDO

A disputa pelo território de Essequibo remonta ao século XIX, quando o laudo arbitral de 1899, mediado por potências internacionais, atribuiu a região à então Guiana Britânica. A Venezuela nunca aceitou plenamente essa decisão, alegando que foi injusta e que o território historicamente lhe pertence. Em 1966, o Acordo de Genebra estabeleceu que ambas as partes buscariam uma solução pacífica para a controvérsia, mas as negociações não avançaram significativamente.

A descoberta de grandes reservas de petróleo na região de Essequibo nos últimos anos intensificou a disputa. A Guiana concedeu licenças de exploração a empresas internacionais, como a ExxonMobil (empresa americana), o que foi contestado pela Venezuela. Em resposta, o governo de Maduro realizou um referendo em dezembro de 2023, no qual a maioria dos votantes apoiou a criação do estado de “Guayana Esequiba” e a concessão de cidadania venezuelana aos habitantes da região.

A Guiana levou o caso à CIJ (International Court of Justice – Corte Internacional de Justiça) em 2018, buscando a validação do laudo arbitral de 1899. A Corte aceitou analisar o caso, apesar da objeção da Venezuela quanto à sua jurisdição. Em decisões provisórias, a CIJ ordenou que a Venezuela se abstivesse de ações que alterassem o status quo do território em disputa, incluindo a realização de eleições. A recusa da Venezuela em acatar essas decisões aumentou as tensões regionais e chamou a atenção da comunidade internacional.

A recusa da Venezuela em acatar a decisão da CIJ pode levar a uma escalada nas relações com a Guiana e com outros países da região, aumentando as tensões diplomáticas. A postura da Venezuela pode resultar em sanções ou em uma maior pressão por parte de organizações internacionais e países aliados da Guiana e a instabilidade na região pode afetar investimentos e a exploração de recursos naturais, prejudicando as economias locais.

Mas o que explica a súbita reativação da disputa territorial por parte do governo venezuelano? A resposta não está apenas no petróleo ou nos arquivos históricos, está, sobretudo, na dinâmica interna do regime de Nicolás Maduro, que enfrenta uma das maiores crises políticas, sociais e econômicas da história recente da América Latina. Desde 2015, o país vive sob sanções internacionais, hiperinflação, perda de reservas cambiais, isolamento diplomático e sucessivas denúncias de violações de direitos humanos. O apoio interno ao chavismo encolheu, e eleições livres tornaram-se cada vez mais contestadas.

Nesse cenário de instabilidade, o governo encontrou no Essequibo uma ferramenta de mobilização simbólica e emocional. Ao transformar uma reivindicação territorial antiga em uma bandeira de soberania nacional, Maduro conseguiu desviar o foco da crise econômica e das denúncias internacionais. E em Essequibo estima-se que as jazidas superem 11 bilhões de barris de petróleo, colocando o país entre os principais produtores da América do Sul, acima inclusive de nações como Argentina e Equador.

Em 2023, o presidente venezuelano organizou um referendo que, mesmo questionado por observadores independentes, foi amplamente divulgado como um “ato de afirmação patriótica”. O projeto de criação do estado de “Guayana Esequiba”, com eleições próprias, cidadania venezuelana e nomeações de governadores, não é apenas um gesto contra a Guiana, mas uma forma de fortalecer o regime internamente, alimentar o discurso nacionalista e afirmar autoridade em tempos de erosão política.

Essa estratégia não é nova no mundo: líderes em crise frequentemente recorrem a disputas territoriais para unir a população contra um inimigo externo. No caso venezuelano, a combinação de crise interna e revisionismo histórico do laudo de 1899 cria um cenário perigoso: uma causa com raízes reais, agora instrumentalizada por um governo que precisa desesperadamente de coesão social e legitimidade. O territóritio de Essequibo, mais do que nunca, tornou-se um espelho onde se refletem as fragilidades da Venezuela e os limites da ordem jurídica internacional.

Esse novo cenário elevou o conflito territorial a uma questão de interesse internacional, acionando redes de alianças e reposicionando países que antes mantinham neutralidade. A Guiana, tradicionalmente periférica na diplomacia sul-americana, viu-se repentinamente abraçada por potências ocidentais. Os Estados Unidos, com fortes interesses corporativos na ExxonMobil, ofereceram apoio político e logístico. O Reino Unido, antiga metrópole colonial da Guiana, também se manifestou em defesa de sua ex-colônia. Ambos pressionam no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA) e do sistema da ONU, exigindo que a Venezuela respeite o direito internacional e a jurisdição da Corte Internacional de Justiça.

Do outro lado, a Venezuela, consciente de sua crescente marginalização no sistema interamericano, busca apoio em blocos paralelos, como a ALBA (Aliança Bolivariana), a CELAC e seus parceiros extra-regionais, especialmente com os países que compõe o eixo das ditadura: Rússia, China e Irã. Esses países compartilham o discurso de contestação da ordem ocidental, questionam a autoridade das cortes internacionais sediadas no Ocidente e veem na Venezuela um aliado contra-hegemônico. Assim, a disputa por Essequibo ultrapassa a geografia regional na América Latina e se insere em uma nova Guerra Fria simbólica, em que blocos geopolíticos competem não apenas por território, mas por narrativas, legitimidade e influência sobre instituições multilaterais.

Portanto, o que poderia parecer um conflito regional entre dois vizinhos sul-americanos está, na verdade, entranhado nas disputas sistêmicas do século XXI. Em jogo está não apenas um pedaço de terra, mas o controle de recursos energéticos vitais, a redefinição do poder marítimo na América do Sul e a disputa entre um mundo baseado em regras (rule-based order) e um mundo baseado na força e no revisionismo estratégico.

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